O desmantelamento ativo da política ambiental no Brasil: paralisia e retrocessos da fiscalização e controle do desmatamento
DOI:
https://doi.org/10.18472/SustDeb.v14n1.2023.44277Palavras-chave:
desmantelamento de políticas, política ambiental, burocratas de nível de rua, fiscalização e controle do desmatamento, populismo, BrasilResumo
O objetivo do artigo é analisar a percepção dos burocratas de nível de rua (BNRs) sobre os efeitos da administração do presidente Bolsonaro na política ambiental brasileira, com ênfase na prevenção e controle do desmatamento na Amazônia Legal. Além dos conceitos de desmantelamento da política, foi empregado um modelo teórico que integra três dimensões analíticas complementares da atuação dos BNRs – institucional, individual e relacional –, em uma investigação “case-oriented” sobre burocratas ambientais – fiscais do Ibama e agentes do ICMBio. A pesquisa utilizou a Análise Sistemática de Conteúdo de entrevistas com esses agentes envolvidos em atividades de fiscalização e controle do desmatamento. Os resultados empíricos confirmam as hipóteses de que um processo de desmantelamento ativo está em andamento desde o início da administração de Bolsonaro; entretanto, as percepções dos fiscais do Ibama parecem mais intensas, especialmente no que diz respeito à dimensão institucional. A investigação ilustra os efeitos adversos desse processo sobre as agências e as capacidades burocráticas, gerando paralisias e retrocessos nas políticas de fiscalização e controle do desmatamento e trazendo sérios riscos à proteção do meio ambiente no país. Este artigo contribui para o avanço do conhecimento sobre as estratégias que um governo populista de extrema direita adotou deliberadamente para reduzir o papel do Estado, enfraquecer a burocracia profissional, desmantelar políticas e favorecer interesses particulares de grupos.
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