Apresentação - Os 60 anos da Revolução Cubana e a América Latina
logros, desafios e dilemas
DOI:
https://doi.org/10.21057/10.21057/repamv13n3.2019.29670Resumo
Em 1º de janeiro de 2019, a Revolução Cubana completou 60 anos. Foi e continua sendo um dos eventos políticos com maior impacto na história da América Latina contemporânea. Seu enredo extraordinário, a declaração do seu caráter socialista, sua originalidade e capacidade de expressar as contradições estruturais latino-americanas fizeram da revolução cubana um experimento único, que até hoje atrai a atenção do mundo.
Em seis décadas, o processo revolucionário admitiu diversas mudanças de rota, endurecimentos e aberturas, além de autocríticas e reinvenções. Nos espaços de convívio, trabalho ou poder, os cubanos exercitam cotidianamente a análise da sua própria história, com sagacidade, humor e ironia. Parecem estar, há 60 anos, decifrando o enigma da sua própria revolução, para assim evitar serem devorados. Os cubanos divergem entre si; mas dificilmente se desunem.
Partindo de condições periféricas e subdesenvolvidas, a transição cubana ao socialismo ainda está em curso e segue enfrentando obstáculos: do bloqueio econômico ao canto da sereia da modernização capitalista. Ao mesmo tempo, Cuba construiu sistemas gratuitos de saúde e educação mundialmente reconhecidos, eliminou o analfabetismo, desenvolveu excelência em pesquisas médicas, venceu doenças epidêmicas e transformou a solidariedade na essência da sua política externa. Não se pode negar que Cuba é uma sociedade igualitária encravada no continente mais desigual do mundo, presença que perturba as elites do entorno. Mas a realidade é tensa e contraditória: a ilha seguiu assombrada pelos espectros do autoritarismo, do machismo, do racismo e da LGBTfobia.
Apesar dos seus limites e fissuras, a revolução cubana entrou em idade avançada com uma coesão surpreendente. Muitos imaginaram sua derrocada final com a queda da União Soviética, há 30 anos. Por que isso não ocorreu? Explicar a longevidade da revolução cubana em um mundo tão diferente daquele que a gestou segue um quebra-cabeça para pesquisadores.
Dois fatores auxiliaram a revolução a permanecer ativa no século XXI, superando a crise do Período Especial em Tempos de Paz (1990-1998). O primeiro, interno, veio da capacidade das lideranças em preservar as conquistas sociais originárias, alimentando uma confiança política duradoura, baseada na valorização da soberania nacional. O segundo, externo, foi o advento da chamada onda progressista da América Latina. Os governos progressistas, destacadamente a Venezuela, comprometeram investimentos com Cuba, lhe dando alento e lhe ampliando o excedente. A alavancagem da China, claro, também teve seu papel. Contudo, com a crise do progressismo e o recrudescimento do imperialismo estadunidense, liderado por Donald Trump, reabriu-se o questionamento sobre os rumos da revolução e sua vulnerabilidade em um cenário hostil.
Quando convidamos pesquisadores a participar da composição desse dossiê, em rememoração dos 60 anos da revolução cubana, o cenário era de incertezas e novos debates. Propusemos que escrevessem sobre temas variados: o bloqueio econômico e a relação com Estados Unidos; os lineamientos de 2011 e as mudanças da organização socioeconômica da ilha; o crescimento da desigualdade social e o novo setor privado; o papel do capital estrangeiro; o problema da supercentralização política, do dogmatismo e da “velha mentalidade”; os embates da nova Constituição de 2019; as formas de propriedade estatal, privada e cooperativa; a homofobia, o machismo e o racismo; as relações Cuba/China e Cuba/América Latina; os meios de comunicação, a internet e a censura; os desafios da educação e a diversidade da cultura popular; a história do pensamento político cubano. Entre os trabalhos recebidos, selecionamos pesquisas que nos permitem acessar os dilemas, feitos e contradições atuais da revolução cubana, na celebração do aniversário que lhe tornou “idosa”. Pretendemos, assim, oferecer análises referenciadas e documentadas, clássicas e inovadoras, que permitam expandir o conhecimento sobre a ilha no Brasil.
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